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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Márcia - Cabra Cega


A Márcia toca desde os 13, compõe com a guitarra e a voz. As letras dela são poemas, muitos de amor, embora não todos. Quase nunca sai da harmonia. Mantém-se no fio da beleza, correndo o risco do sentimental, sem se assustar com ele, mas resistindo-lhe através do requinte poético e melódico. As letras nem sempre são fáceis de entender — ela cifra-as, troca as voltas da sintaxe, da semântica e da dicção. Aprendeu a tirar proveito da má dicção da língua corrente (o "comer" das palavras, por exemplo) ou dos seus próprios defeitos. Por vezes consegue tornar quase abstracta a língua materna.

Quando entra no transe da canção, ela canta com a alma a fazer vibrar as cordas; e todo o corpo é uma caixa de ressonância, propaga-se aquilo pelo espaço... e nós vibramos com ela - por ressonância, somos tocados. Em palco, é um pouco tímida, simples e quase frágil. E essa fragilidade deixa-a brilhar, pois tudo aquilo é seu, límpido e honesto.

Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, mas foi sempre maturando a música. Durante anos manteve a actividade dupla, e só recentemente o caminho de cantora se desenhou à sua frente com toda a nitidez, e aí decidiu dedicar-se-lhe totalmente. Estava só à espera do momento certo, da editora certa, das condições certas, do aperfeiçoamento das canções. O fruto maduro desprende-se agora com suavidade e doçura. E nós colhemos, gratos.

No meio da arte, muitos ficam surpresos ao ouvir-lhe a música ("então mas tu afinal agora fazes música?"). No meio da música surpreendem-se também ("mas tu afinal estudaste pintura, e não música?!"). Mal sabiam uns e outros que era necessário percorrer aquele caminho para chegar aqui. Os que acompanharam a gestação da cantora impacientavam-se por vezes e tentavam incentivá−la para gravar, ir falar com editoras, "vender o seu peixe", porque - diziam- ela era muito boa. Mas o momento não era ainda o certo. Era preciso sair do país, ter saudades, eram precisos ainda alguns amores e desamores, era preciso ganhar a mestria da guitarra, a confiança de estar sozinha em palco, a coragem da simplicidade... trabalhar com fé e paciência. A história deste disco, que se prepara há anos, é uma lição de paciência, da arte de saber esperar o momento.

by Raquel Feliciano

Lula Pena - Troubadour


Lula Pena é portuguesa, mas sentiu necessidade, aos 22 anos, de se mudar para Barcelona, onde alimentou o interesse que tinha, desde o começo da adolescência, por tocar e cantar. Actuando ao vivo em vários bares e clubes de jazz da capital catalã, a artista amadurece e encontra a sua vocação, algures entre a tradição do Fado, a música popular e o estatuto de intérprete-compositora.
Continuando a sua diáspora, Lula Pena seria alvo de grande atenção na Bélgica, país ao qual levou as suas rábulas de saudade, acompanhadas por uma guitarra dedilhada pela própria cantora. O álbum de estreia, ao qual chamou "Phados", foi lançado em 1998, e chegou primeiro aos escaparates das lojas belgas do que ao país que a viu nascer. Em Portugal, o reconhecimento agraciou Lula Pena um pouco mais tarde, sendo a intérprete elogiada pela originalidade dos seus arranjos e pela profundidade de uma voz que a distingue da nova geração de fadistas.
Em "Phados", há leituras para músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso, bem como fados popularizados pela lenda Amália, letras inspiradas na poesia de Florbela Espanca e doses consideráveis de melancolia, que vão beber às mornas cabo-verdianas. Adepta da herança musical portuguesa, árabe e africana, Lula Pena apresenta-se com frequência ao vivo ao lado de Osama Abdulrasol, um músico iraquiano que toca alaúde, khanou (instrumento com mais de 70 cordas) e bendir (instrumento de percussão).
Não se considerando uma verdadeira fadista, a portuguesa diz mesmo que, no início da sua carreira, tentou afastar-se da canção do nosso país: "Primeiro, fugi do Fado, do seu melodrama, e até costumava parodiar (o género). Mas depois fiquei esmagada pelas melodias, capturada pela sua profundidade, e apercebi-me que o Fado é maior, e mais forte (...). Na realidade, estava a fugir de mim mesma", acaba por reconhecer a auto-didacta, acrescentando: "O meu tipo de Fado, quero-o ligado ao meu ritmo cardíaco, ao meu sopro respiratório (...). A saudade é aquele sentimento indizível, aquela dor que faz bem", garante Lula Pena, depois da conversão aos xailes negros.

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