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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Rui Reininho - Bem bom


Rui Reininho - Companhia das Índias (Por João Gobern)
De que é feito um artista de variedade? De carisma, de talento, de trabalho, de figura, de atenção, de palavra. Se aceitarmos o domínio pop nacional como cenário, a meia dúzia de atributos nada acessórios que ficou listado já aponta os focos na direcção de Rui Reininho. Juntando o humor que lhe vem da formação e dos palcos e o “angst” a que a sua geração não escapa (nem tenta…), torna-se mais fácil perceber que só o Rui poderia, sem prejuízo de um álbum que é o seu retrato – diletante mas conciso, provocador mas aflito, irónico mas sincero, intenso mas decadente, tão profundo ou tão superficial quanto se queira –, reunir uma autêntica “companhia de índios” que desse arcaboiço e pluralidade à sua “Companhia das Índias”. É fácil de entender, a ideia que serve de base: Reininho está habituado, desde essa revolução inquieta chamada “Independança”, a trabalhar em grupo. No caso, os GNR. Portanto, o “mais vale solo” não se aplica. Como bom anfitrião, ele convidou, desafiou, estimulou, enquadrou. O quê? Um dos mais profícuos encontros de músicos portugueses de primeira linha, cruzando escolas e gerações, do seu antigo parceiro Alexandre Soares a Slimmy, de Rodrigo Leão a New Max (dos Expensive Soul), de Legendary Tiger Man a Margarida Pinto (Coldfinger) e a João Pedro Coimbra (Mesa), reservando um papel especial para o responsável pelo guarda-roupa das canções: Armando Teixeira (também conhecido como Balla). À sua maneira, Reininho chamou a si duas canções de outros tempos e universos: “Bem Bom”, imagem de marca das Doce, e “Faz Parte do Meu Show”, emblema e património do brasileiro Cazuza. Passam, com direitos adquiridos pelo mérito, a ser temas próprios. Voltemos, no entanto, aos originais. Para constatar o prazer dos contribuintes (caso raro) do disco. Quatro exemplos, sem demoras. Slimmy, compositor de “Morremos A Rir”: “O Rui começou por ser um conhecido dessa longínqua noite interessante e picante do Porto. No caso, fiz algumas canções que não via maneira de utilizar no meu projecto, mostrei-lhas e deixei-o voar com elas… Depois, fiquei à espera que ele achasse coerente aquilo que tinha para lhe dar. Agora, ter o Rui a cantar (em melhor forma do que nunca) e a dar personagem e personalidade a uma das minhas canções, ter o Zé Pedro a tocar guitarra no mesmo tema, ter a produção sublime do grande Armando Teixeira, faz o meu ego encher, obviamente: alguns dos meus ídolos de infância estão aqui... Faz-me sentir bem com o panorama pop rock nacional: estamos a produzir, existe união e efervescência de ideias e de músicos, e há criatividade”. New Max, que escreveu “Turbina & Moça”: “Trabalhar com o Rui é ter o privilégio de lidar com uma «lenda», um herói de gerações, pois crescemos com as suas letras e melodias. Este album é um «solo» de três décadas de sabedoria e inspiração.Por isso, «liguem as turbinas que aí vem moça»”. A Margarida Pinto coube a melodia de “Triste S (1857)”: “Quando fui contactada pelo Rui para uma colaboração no seu disco a solo, como compositora, fiquei bastante surpreendida. O Rui é um ícone da pop, ímpar no nosso quadro musical, e creio que com este trabalho deixa bem claro que nem faz parte do passado, nem está ultrapassado. A sua marca fica bem impressa num disco bastante heterogéneo. Como intérprete, o Rui tem o grande valor acrescentado de uma voz que é imediatamente reconhecida pelo público e a minha intenção com o tema foi precisamente a de criar um espaço para essa voz. O resultado foi uma canção íntima e intimista. Muito bonita.” João Pedro Coimbra, que assina “Lados B”: “O Rui é um herói à antiga. Muito por culpa da sua «tri-polaridade» assumida (!), consegue atravessar, incólume e com distinção, mais de 30 anos de actividade artística com uma frescura e «pinta» raras no nosso panorama Pop/Rock. O Rui é uma estrela em cima e fora do palco. Dizem que se nasce com ele, o talento. Quando generosamente me convidou para colaborar neste disco, imaginei um tema que servisse aquilo que o Rui é para mim: um «crooner a sós-moderno», corajoso e em jet-lag entre o Porto e Las Vegas. Party Hard!” Se houvesse dúvidas, estes testemunhos deixariam tudo transparente: Reininho fez da experiência e do estatuto apenas um veículo para mobilizar talentos, para sentir os apoios indispensáveis a um passo que, sendo lógica, nem por isso se revela menos arriscado, para quem sempre teve o suporte de um grupo. A lucidez de uma liderança, que também é saber delegar e saber em quem, também fica à vista na escolha de Armando Teixeira, produtor, compositor e instrumentista. Que faz, em síntese, o relato da experiência: “Rui Reininho é somente o músico português que mais admiro e o disco dos GNR, «Independança», um dos discos portugueses mais importantes para a minha formação de músico – agora imaginem o que significa para mim produzir o primeiro álbum a solo do Rui. O meu maior desafio como produtor foi dar unidade a um disco cujos temas foram compostos por tantos compositores diferentes. Os textos do Rui foram fundamentais. A sonoridade do álbum, queria-a igualmente coesa. Comecei por aceitar as sugestões dos compositores. O que alterei ou acrescentei serviu para aproximar a canção ao todo ou a alguma ideia que as primeiras audições da maqueta me sugeriram. Os três temas que compus tiveram origens diferentes: «O Estranho Caso do Amante Preguiçoso» é um tema que compus a pensar no Rui e na sua voz, para uma colectânea do Frágil sobre Lisboa. O «Dr. Optimista», inicialmente, não foi composto para o Rui, mas depois de feito não podia ser cantado por mais ninguém. Para mim, acaba por ser o tema que melhor representa o disco. O «Al Faquir» foi a última música a entrar no alinhamento. Senti que fazia falta um tema assim, que poderia ter como título o título do álbum.” Podia ser um filme, este disco. Mas difícil seria arrumá-lo num género: tem drama e comédia, tem acção e aventura, tem diálogos de primeira água, tem uma luz para cada cena, ora natural e crua, ora carregada de filtros e neons. Tem, às vezes, um ambiente de “film-noir”. E até consegue ter pedaços generosos de “biopic”, ou não fosse centrado na vida, nos impulsos e nas ideias do “actor principal”. Mas, se preferirem, vejam-no como um espectáculo de circo: os malabarismos são mais do que muitos, as forças combinadas são poderosas, há contorcionismo e feras à solta, à espera de um domador, há tempo para o trapézio voador, há – evidentemente – um intrincado número de magia. Só não há palhaços. Mais simples, ainda: aceite-se este disco pelo que ele é. Um manual prático de música pop, tão colorido que até usa magistralmente o preto-e-branco, tão fascinante que – pelo menos temporariamente – apaga tudo o que Reininho foi deixando pelo caminho, tão brilhante no uso das palavras que merece ser estudado por todos os que ambicionem escrever poesia para canções, tão sincero que nos esquecemos dos “sauts d’humeur” que deixa transparecer, tão febril que apetece não o largar, tão cheio de soluções mas tão longe de qualquer espécie de novo-riquismo, tão intemporal como portador de notícias frescas, tão bem acabado que nem parece Português, com vossa licença. Não há como não ficar feliz diante do que aqui se ouve – por todos, mas sobretudo pelo Rui, capaz de mais um “murro no estômago” que é, afinal, um gesto do seu carinho tímido. Fiquem com ele, desde já: ficam numa óptima “Companhia”.

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