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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Os Golpes - Vá Lá Senhora



Provavelmente tão inesperado como ver Truffaut num filme americano sobre extra-terrestres (Close Encounters of The Third Kind, em 1977) é ver a banda de rock mais portuguesa de Portugal a escolher o seu nome a partir de um filme francês de Truffaut. À razão de 100 golpes por cada um dos rapazes do grupo, nasceram em 2006 Os 400 Golpes.
E se uma vez 300 aguentaram nas Termópilas, 400 não subsistiu à designação final. Mais certeiros, mais certeiros, mais certeiros, renascem em 2008 Os Golpes, só Os Golpes. E renascem não como a Fénix, mas como a passarola de Bartolomeu de Gusmão, numa versão alongada com cerca de 10 milhões de lugares sentados. O timoneiro Manuel Fúria dos Golpes tem voz de comando e guitarra por leme; o Luís dos Golpes tem um baixo preciso como um astrolábio; o Pedro Rosa dos Golpes, rosa-dos-ventos, ora dedilha outra guitarra, ora sobe ao cesto de gávea para segundas vozes subidas; o Nuno dos Golpes (e da bateria) segura o quadrante, acerta o ritmo, segura o quarteto.
Não me enganei quando lhes atribuí o título de qualquer coisa mais portuguesa de Portugal: Os Golpes são uma espécie de aldeia de xisto onde não faltam arranha-céus. Sabem de cor os engarrafamentos na hora de ponta e o passo arrastado do velho pároco nas procissões da vila. Comem faisão em porcelana e sardinha (da piscicultura do Padre António Vieira) em broa. E para isso do rock não ser coisa portuguesa, os senhores contra-argumentam de caravelas na ponta da língua: as especiarias, a globalização antes de ser um bicho de sete cabeças, os Obrigado toscos que os japoneses ainda dizem.
A 2009 pertencerá o primeiro disco dOs Golpes (ou vice-versa). O cunho da produção será do mestre Jorge Cruz e no sinete da editora ler-se-á Amor Fúria. Daquilo que nos é lícito esperar, a Marcha dos Golpes é uma eufórica promessa. Certeira, certeira, certeira. Esta primeira cantiga que verteu para a internet é o perfeito Abre-te Sésamo lançado às pálpebras de qualquer melómano que esteja comatoso desde há 25 anos. O fervilhar do rock português de tempos idos está lá todo. Mas desenganem-se os profetas da desgraça, do terrorismo-revivalismo, do rebanho de antanho: Os Golpes não são do passado. A grande ironia geográfica deste país hipnotiza-nos com a sua cauda. Os Golpes estão noutra ponta: a garraiar os cornos do porvir.

Samuel Úria, Setembro 2008

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